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“A crise afeta menos a venda direta do que os outros setores.” Esta frase, que é quase um bálsamo para o varejo – especialmente em tempos de retração no consumo e prognósticos nada favoráveis para a economia – foi dita pelo sócio-fundador da Natura, Guilherme Leal, durante evento de 35 anos da ABEVD (Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas) realizado na última sexta-feira (11/12).
Mais do que uma constatação, a fala de Leal traduz a principal motivação para um movimento que ganhou força ao longo de 2015. Ainda que busque outras forças de vendas – a empresa pretende abrir pelo menos 10 lojas físicas no ano que vem –, a Natura não pretende abrir mão da tradicional venda porta-a-porta, que a consagrou como uma das princpais empresas de cosméticos do país.
A Natura não é a única. Motivada pelo crescimento acelerado de sua rede de franquias, a Contém 1g, também do mercado de cosméticos, esteve fora do sistema de vendas diretas por pouco mais de cinco anos. Atualmente, a empresa prepara sua volta a este formato para o início de 2016 e projeta que, em até 3 anos, 30% do faturamento venha deste canal.
Quase uma exceção, a Cacau Show é uma das poucas empresas do ramo alimentício adeptas à venda direta – cerca de 90% das empresas que usam este canal estão ligadas ao mercado de higiene e beleza.
A adoção recente das vendas porta-a-porta deve ampliar as vendas dos produtos da marca em um mercado altamente competitivo, com empresas como Kopenhagen, Munik e Cacau Brasil. A expectativa é que, em três anos, um quarto da receita da Cacau Show venha das vendas diretas.
É fácil entender a razão de toda essa movimentação em torno desse canal de vendas – especialmente em tempos de crise. Todas essas empresas veem as vendas diretas como uma forma de ampliação da capilaridade da marca, já que nenhum outro canal levaria os produtos a locais onde talvez não seja viável abrir uma loja física, conforme pondera Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Um exemplo emblemático, segundo Moacir Salzstein, presidente da ADEVB, é caso da rede O Boticário, que há cerca de quatro anos resolveu investir no novo canal. Com mais de 3,6 mil pontos de venda, espalhados em 2 mil cidades no país, a marca passou a investir no modelo de venda direta a partir de suas lojas físicas. Hoje, 20% do faturamento da rede é oriundo desse canal.
A estratégia da Boticário comprova a tese do presidente da SBVC: a venda direta leva os produtos a novas fronteiras geográficas. Se o dono de uma franquia da marca em Campina Grande, na Paraíba, cria uma estrutura de vendas diretas a partir de sua loja, chega a atingir 40 cidades no entorno – onde estão aqueles clientes que não se deslocariam até a cidade só para comprar produtos de marca. “Se um revendedor vai buscar negócios na região, percebe que há um público potencial de consumidores”, completa Salzstein.
MENOS EMPREGO, MAIS OPORTUNIDADES
Mesmo perdendo espaço para o comércio eletrônico e crescendo apenas 1,5% até o terceiro trimestre de 2015 – de 2011 a 2014 o setor cresceu em média 6,7% ao ano –, o modelo de vendas diretas mostra ser uma opção para combater as mudanças de humor da economia. O setor faturou pouco mais de R$ 40 bilhões no Brasil em 2014, segundo a ABVD e deve continuar crescendo, embora a associação não tenha divulgado as expectativas do setor para este ano.
Uma das oportunidades para as vendas diretas está na redução do emprego e da renda, segundo Leal, da Natura. “A potência do sistema continua grande, pois sempre há pessoas dispostas a viver de vendas diretas e se tornarem representantes, distribuidores, e consultores para compensar essas pressões”, afirma o executivo.
Os números confirmam o raciocínio do executivo da Natura. De acordo com o Relatório Global de Vendas Diretas, da DSN (Direct Selling News) e da WFDSA (World Federation of Direct Selling Association), a adesão de profissionais a esse modelo de trabalho cresceu 3,4% nos últimos 12 meses.
Nesse cenário, o Brasil, que conta com 4,6 milhões de consultores, é o 5º no ranking mundial por receitas. Tem 7% de participação no mercado, ficando atrás de Estados Unidos, China, Japão e Coreia do Sul. Somada, a receita dos cinco países chega a 60% do total global.
Ao analisar o mercado sob a ótica do empreendedorismo por necessidade típico dos tempos de crise, Salzstein, da ABEVD é otimista com o crescimento do setor nos próximos anos – mas não faz projeções. “O investimento é muito menor do que se o empreendedor resolvesse abrir um comércio físico, por exemplo. Essa particularidade faz acreditar que o setor ainda tem muito para crescer”, afirma, lembrando que, na Tailândia, um quinto da população trabalha com vendas diretas. Outra boa perspectiva, segundo Salzstein, é a chegada de outros segmentos no mercado de vendas diretas, como educação, serviços e alimentos e bebidas – caso da Cacau Show. “É um modelo que passa por uma reinvenção e terá um papel importante na economia”, acredita.
“Com a economia ruim e o emprego formal bem remunerado quase em extinção, é mais fácil ter uma rede aquecida de consultores. O consumidor está gastando menos, mas do ponto de vista estrutural, pode ser uma boa oportunidade.”
Se o cenário econômico continuar desfavorável, a tendência é que o setor volte a crescer, já que a correlação entre as vendas diretas e a economia é invertida, de acordo com Eduardo Terra, da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. Até 2013, quando o consumo crescia a passos largos e o pleno emprego era uma realidade, a pouca necessidade de uma renda complementar gerada pelas vendas diretas fez o ritmo de crescimento das vendas diretas desabar. O setor que tinha crescido 13,1% em 2012 avançou apenas 0,2% em 2014.
MULTICANALIDADE
O diferencial de ser uma “loja que vai até o cliente” está nos diferenciais, como comodidade, descontos, brindese promoções – especialmente quando o cenário é de crise. “Se o consumidor está retraído e quer evitar a compra por impulso, o diferencial é levar até ele qualidade, consultoria e comodidade para fazer aparecer a vontade de comprar”, afirma Roberta Kuruzu, diretora executiva da ABEVD.
No entanto, não se trata de uma tábua de salvação. Eduardo Terra lembra que no mercado atual ser multicanal é ques tão de sobrevivência. Nem empresas do porte da Natura conseguirian resultados se operassem exclusivamente com as vendas diretas – neste terceiro trimestre a maior fabricante brasileira de cosméticos registrou redução de 38% no resultado líquido. "Se há dez anos, a rede O Boticário nem pensava em entrar (nas vendas diretas), nem a Natura cogitava sair, agora, o cenário é de incluir", diz Terra,
Mais do que a aposta na diversificação, esse resultado fez a Natura perceber que há um outro desafio: a produtividade dos consultores. Muitos deles, especialmente na América do Sul, Leste Europeu e México, trabalham para mais de uma marca, reduzindo os ganhos possíveis. “Cada revendedor pensa como um pequeno empresário, e isso impacta diretamente nos resultados dessas marcas”, afirma Salzstein, presidente da ADEVB.
Lojas físicas aliadas às vendas diretas criam relacionamentos de maior valor agregado com o cliente já que também há consultoria e personalização no atendimento. Há até consultores muito bem adaptados à modernidade, que hoje vendem com a ajuda de ferramentas como Facebook e Whatsapp. "Ou seja, é a combinação perfeita dos canais que gera a estratégia mais adequadas para cada um", diz Terra. “O mercado está deixando de ser formado por empresas de venda direta para se tornar um mercado de empresas com diversos canais de venda.”
Em resumo: com crise ou sem crise, as vendas chamam.
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